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Terça-feira, 18 de Maio de 2010

Casamento livre

A promulgação do casamento entre pessoas do mesmo sexo criou polémica, naturalmente. Ocorrem-me três observações que no final se interligam entre si.

1) A figura mais visível da Plataforma Cidadania e Casamento, Isilda Pegado, disse numa entrevista televisiva algo como que a decisão de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo era uma lei que quiçá no futuro se possa mudar. Talvez espere que, num futuro para ela desejavelmente próximo, esta lei possa ser revogada por outra que coloque as coisas como eram até há uns anos. Pareceu-me ver um laivo de esperança na forma como expressou este desejo, quase um sorriso.

Com um bocado de sorte talvez as coisas mudem para ela numa próxima legislatura. Talvez possamos voltar atrás e mudar muita coisa. Talvez voltemos ao tempo em que as mulheres tinham de ter autorização dos maridos ou do pai para poderem trabalhar. Talvez voltemos ao tempo em que apenas os homens podiam votar. Talvez voltemos ao tempo dos casamentos arranjados pelos pais comprometendo as crianças a um casamento a anos de distância sem nada ligar ao que elas possam desejar para si. Isilda há esperança! Talvez cheguemos - ou regressemos... - a esses magníficos tempos e então assim possa sorrir plenamente. Se não poder esperar vá andando para o Afeganistão que lá já estão a uns anos de distância de nós.

2) Não muito longe desta forma de pensar está, sem surpresa, a Igreja Católica portuguesa. Segundo a TSF a Conferência Episcopal diz que casamento homossexual fragiliza a família, que não há nada que possa ser comparado à família constituída por um homem e uma mulher: "Não há alternativas à verdadeira família, que é uma união de amor entre um homem e mulher. Tudo o mais que se considerar como amizade, união, ajuda, não pode ser equiparado à verdadeira instituição da família que é a base que constitui a nossa sociedade".

Como pode uma organização que impede os seus membros activos de terem uma vida conjugal com pessoas do outro sexo, avaliar o que é uma união de amor entre um homem e mulher? E o que sabe do conceito de família esta organização que impede o acesso das mulheres a cargos de mínima representatividade e responsabilidade no seu quotidiano? E o que pode ser provado como verdadeiro para esta organização que acredita em coisas como ressuscitações, aparições e vida para além da morte, tudo coisas das quais não há provas ou registos minimamente fiáveis para que possam ter credibilidade? Quererão eles ser os donos da autoridade para decidir o que é verdadeiro ou não?

3) O Presidente da República criticou o uso do termo 'casamento' para a união civil registada de pessoas do mesmo sexo, por o entender abusivo, se bem o entendi. Argumentou que apenas uma minoria de países usa esse termo com esse sentido. Pessoalmente não vejo que outro termo se possa usar, nem vejo problema em sermos mais um país a usar esse termo. Deveríamos ter sido comedidos e prudentes e arranjar qualquer outra designação mais confortável para mais gente? Ou devemos chamar as coisas pelos nomes? E que mal faz sermos pioneiros? Não fomos dos primeiros a abolir a pena de morte? E dar o voto às mulheres não foi também um acto pioneiro e fora do que era comum na época? O que estas três entidades e outras que andam pelas mesmas águas não percebem é que a sociedade evolui. Pode não evoluir da forma como pretendem, mas evolui. Não se volta atrás nem nenhum de nós pode impor o nosso conceito de verdade aos outros.

Esta lei apenas vem regular algo que há muito já existia, por mais que não se quisesse admitir. A lei legaliza uma situação e permite que cada um faça o que quiser, independentemente do que os outros achem. É esta capacidade que falta a estas entidades retrógadas. À primeira sugiro-lhe que vá para o Afeganistão, mas deixo-a ir para onde quiser. à segunda não ligo, e na terceira não voto.

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Quinta-feira, 24 de Dezembro de 2009

Ensaio sobre o Natal ateu

Pode o Natal ser ateu? Pode, digo eu. Não pode, dirá um crente no cristianismo.

Tendo nascido numa sociedade de inspiração cristã, foi essa a educação que recebi. Valores como o respeito pelo próximo, a solidariedade humana – e animal! – a igualdade entre cidadãos, e outros que tais estão imbuídos no que penso, e no que procuro agir. Por esse ponto de vista, e só por esse, tenho uma acção cristã.

Mas esses valores não são exclusivos do cristianismo, pelo que por os practicar não poderei ser rotulado de cristão. Na verdade esse é até um termo abusivo porque Christo seria o ungido, o rei, logo aceitar esse rótulo é aceitar que o Jesus histórico tem outros méritos para além dos que qualquer humano costuma ter, e por esse caminho não vou. Não lhe chamo Jesus Christo porque não era esse o seu nome. Nasceu Jesus, cresceu, viveu, fez coisas boas e más como qualquer mortal, morreu e ficou para a História como poucos. Não acredito que exista ainda algures, mesmo que de forma metafísica, tal como não acredito em qualquer existência metafísica, omnipresente e omnipotente.

Neste contexto agnóstico e ateu, como se pode practicar o Natal? Para os crentes o Natal é a celebração do nascimento daquele que há muito estava anunciado para chegar, o seu Messias. Aquele que veio, como costumo ouvir dizer, para redimir os nossos pecados. Bem-vindo seja então alguém com as costas bem largas para suportar os disparates de tanta gente que por aí anda a fazer as maiores barbaridades, e que depois limpa a consciência com meia dúzia de lenga-lengas, com uns améns pelo meio, e que assim já pode voltar a pecar. É como uma camisa que se usa, que se põe a lavar quando está suja, e se volta a vestir quando esta limpa. Nesse sentido, o Messias serve como uma lavandaria de pecados. Entrem pecadores, que os vossos pecados serão lavados e podeis ir pecar outra vez e indefinidamente.

Desde que nasci que pratico o Natal. Primeiro ainda me diziam que era o menino Jesus que dava as prendas. Mas como podia uma criança quase despida dar prendas a tanta gente? Já o Pai Natal, que é mais velho, mais sabedor das coisas da vida e tem transporte próprio é muito mais credível para ser o transportador das prendas.

Gosto do Natal, das prendas, das comidas que só há nesta altura. É verdade que o Natal deve ser quando um homem quiser, mas no Verão não encontro lampreia de ovos à venda… E gosto de estar com a família, mesmo com aquela que quase só nesta altura se vê, e de trocar telefonemas, e-mails e sms com gente com quem quase só falo no Natal. Mas eles sabem que gosto deles, e sei que eles gostam de mim, e é bom saber isso, seja no Natal seja durante todo o ano.

É nessa perspectiva que faz sentido montar o presépio. Monto-o não por causa do menino Jesus mas por representar a proximidade familiar e dos amigos que nesta altura celebro. Aliás, a figura do menino Jesus lembra-me sempre que está nas palhas deitado, nas palhas estendido, a não fazer nenhum, como disse o Herman numa excelente rábula há uns anos, em que num tribunal o Pai Natal (Herman) discutia com o menino Jesus (um fenomenal Miguel Guilherme) sobre quem era o verdadeiro representante do Natal.

Escapa-me a argumentação para justificar a árvore de Natal, que sempre gostei de ver enorme, a roçar o tecto. Se é uma árvore e não é bonsai, então tem de ser grande. Gosto de montar a árvore de Natal, mas ainda não consigo explicar porquê. Quando conseguir, e se me lembrar, aqui voltarei a escrever sobre o assunto.

E assim pratico o Natal ateu. Não acredito que exista qualquer Deus, que Jesus tenha sido concebido de forma diferente da de qualquer outro ser humano, ou que tenha ressuscitado e ido sabe-se lá como não se sabe bem para onde. Estou e comunico com aqueles de quem gosto e que de mim gostam, e basta.
Feliz Natal a todos, na forma que cada um achar melhor para a sua própria felicidade.
publicado por coisas minhas às 16:49
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Quarta-feira, 23 de Dezembro de 2009

"Vem cá para quê?"

Gostei de ouvir a entrevista de Frei Bento Domingues hoje na TSF. Não ouvi toda, umas coisas aqui, outras ali. Sempre que posso leio as suas crónicas ao Domingo no Público, Só lamento não o poder fazer sempre.

Foram muitas as coisas que gostei de ouvir. O disparate que é o celibato dos padres, completamente destituído de fundamentação teológica, foi uma. Outra foi a dúvida que manifestou sobre a utilidade da vinda do Papa a Portugal no próximo ano. Em termos económicos é sem dúvida benéfico. Será muito maior o volume de negócios feitos em Fátima, e o país recebe uma atenção nos media que de outra forma não receberia. Mas isto não lembra a parábola dos vendilhões do templo?

O Papa vai a Fátima, terra que há 100 anos era apenas um lugarejo e onde graças a um  fenómeno (das aparições) tornou-se conhecido e ponto de romarias e devoção popular. A Igreja não reconhece ainda as aparições mas apropriou-se tacitamente do todo.

O Papa vem cá fazer o quê?, perguntava Frei Bento Domingues na entrevista, lembrando que há ainda tanto sítio no mundo onde nenhum Papa foi e onde fará falta ir.

Se quer vir, que venha que aqui são todos bem-vindos. Porquê é o que não se percebe.

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Domingo, 8 de Junho de 2008

A fragilidade de um argumento

João César das Neves (JCN) é um economista que tem uma coluna de opinião semanal no Diário de Notícias. Há duas semanas, dia 26/05/2008 publicou um texto que nada tem de economia, mas sendo aquele um espaço de opinião isso não deve importar. O texto tinha como título “A FRAGILIDADE DE UMA CRENÇA”. Desde a sua publicação que venho pensando nesse texto, do qual discordo na quase totalidade. Discordo, sobretudo, da forma quase anedótica, no limiar do desprezo - parece-me - com que procurar desfundamentar o ateísmo e o agnosticismo. Ignorando a forma, comento o conteúdo.

JCN começa por classificar a “vida pública de hoje como ateia ou agnóstica”, rotulando-lhe uma “fragilidade intelectual (...) muito inconsistente”.

Concordo com JCN quando diz que recusar Deus seja uma crença. Eu e muita gente acredita, logo é uma crença. Mas as concordâncias acabam aqui. Não vejo como falha que o ateísmo não se possa considerar lógico e natural pois a própria crença num deus ou deuses é, para quem acredita, perfeitamente lógica e natural. Aliás, todo o texto de JCN é lógico, ainda que sem razão para mim.

Advoga que a religiosidade é o normal, pelo que por isso deveria ser sempre seguida. Mas que mal faz não ser normal? Que mal faz ser uma “construção tardia e artificial das elites”? A religião não foi também sempre criada e gerida por elites? E pode assim não ser? A cogniscência da religião é o resultado de um esforço intelectual a que apenas se podem dedicar aqueles que supriram as suas necessidades básicas, e não a prática reiterada de actos que se repetem mecanicamente sem consciência do seu sentido. Só quem não é pobre pode dispender tempo e energias pensando na religião. Quem passou esse nível, e se aproxima do topo, das elites, tem maior possibilidade de se dedicar verdadeiramente à religião.

Não me importa nada que o ateísmo seja uma minoria, mesmo que ínfima como JCN defende. Prefiro ser infimamente minoritário crendo na minha razão que abdicar do que penso para ir com o rebanho. E menos me importa que seja uma criação recente. Na história do Universo, de que ele aproveita parte para fundamentar a sua crença, a história do Homem é tão pequena que apetece perguntar que crenças havia quando não havia o Homem. Só há crenças quando há consciência, e dessa só temos prova de ter surgido com o Homem. Ora este surgiu há 4 milhões de anos. O Universo, tudo o que existe, tem já 15 mil milhões de anos, 3800 vezes mais. A não ser que haja prova que dos protozoários aos dinosáuros tenham havido crenças, as crenças são, assim, também são recentes.

Não acredito também que o ateísmo seja apenas uma criação do Iluminismo. Poderá ter sido aí estruturado e mais divulgado, mas acredito que em toda a história do Homem terá havido sempre alguém que não acreditasse na existência dos deuses. Não é plausível que em 4 milhões e tal de anos todos os seres humanos que já viveram tenham todos acreditado que os deuses existem. Basta que tenha havido um, só um, e este argumento desmorona-se.

JCN conduz a argumentação da refusa do ateísmo para a desfundamentação do agnosticismo. Diz que “ignorar a possibilidade de Deus é como desinteressar-se da existência do pai, benfeitor ou patrão, senhorio ou polícia. E se Ele aparece?”, pergunta. Pergunto eu: e por acaso já apareceu?. E se não aparece? A argumentação de que se socorre refugia-se na lógica de que a ausência de prova não é prova de ausência. Mas, quer se queira quer não, continua a não a haver prova de não ausência. Quando muito pode-se dar o benefício da dúvida.

JCN procura advogar que o agnosticismo tem dificuldade em se fundamentar porque há uma realidade que prova a existência de um seu criador, porque há ordem e não caos. Quanto à ordem, a coerência e a harmonia, ela existe porque a vemos como tal. O planeta Terra é perfeito para o ser humano, não porque tenha sido criado para ele, mas porque ele ali se desenvolveu. Se houver vida em Marte, em Titã ou Europa, como é plausível, será necessariamente diferente da nossa porque surgiu naquele ambiente. A ordem e a harmonia são como a beleza, existem nos olhos de quem a vê.

Quanto ao caos, nós ainda hoje não percebemos o caos que é o funcionamento dos componentes da matéria. Nem a ciência, e muito menos a religião, o explicam. Tudo o que sabemos de certo falha quando queremos perceber como se relacionam as peças de que são feitos os átomos, que por sua vez constituem tudo o que vemos e somos. Está-se na quase contradição de poder explicar o funcionamento da matéria com aquilo que sabemos porque imaginámos uma peça com determinadas características. Essa peça é o Bosão de Higgs que, por coincidência, é apelidada de “a partícula de Deus”. Com essa peça no jogo o nosso conhecimento funciona, mas a peça ainda não foi encontrada, pelo que existe apenas em teoria. As crenças são aqui muito semelhantes. Quando não se percebe o porquê das coisas, então é obra divina. Não se vê Deus, ou os deuses, mas eles têm que existir, senão não faz sentido. Existem como consequência e não como causa.

JCN defende que “Uma obra supõe um autor”, e com esse argumento dogmático constrói tudo o mais, não o questionando. É verdade que “A ciência demonstrou que variações infinitesimais de parâmetros fundamentais, das forças do núcleo atómico à densidade do universo, torná-lo-iam impossível”. O que a ciência não garante, nem tem de garantir ou ajudar a fundamentar, é que o arranjo desses parâmetros tenha sido pré-definido com determinado objectivo. Esse é um salto argumentativo sem lógica que o sustente, porque nada garante que não houvesse hoje vida se o arranjo inicial tivesse sido outro.

Agarrado à necessidade de existência de um autor para a obra, parece-lhe errado que “o acaso de milhões de anos [tenha conduzido] de uma explosão ao sorriso da minha filha”. Porquê? Porque não pode ser um acaso? A perfeição das flores, o sabor do sal do mar, a música de Mozart porque não podem ser acasos? Porque não? Se não são acasos, se tudo é determinado, então porque é determinado que morram tantas crianças por dia, com sorrisos tão lindos como a filha de qualquer um de nós afortunado? Ou que sejam abusadas, com sexo e com trabalho infantil? Porque é determinado que um adolescente se mate numa mota? Porque é determinado que alguém morra no automóvel por culpa de outrém? Porque é determinado que alguém seja torturado ou morto apenas porque não concorda com algo, seja política, religião ou outra coisa? Porque é determinado que alguém perca aqueles que ama só porque, por algum determinismo, lhes ‘calhou’ ter uma doença sem cura? Porque é determinado que pais e irmãos matem a filha/irmã apenas porque ela namorava alguém de outra crença? E se tudo o que existe é criação, logo obra de um criador, porque é determinado que tantos animais se extingam? Ou não têm também eles o direito à garantia da continuidade da sua espécie?
Se tudo o que existe e acontece é determinado, então todas as coisas boas ou más, existem e acontecem porque algo ou alguém assim o determina ou determinou. Quem perdeu filhos, maridos, esposas, pais, amigos ou apenas conhecidos por acidentes, por homicídios, raptos, por doenças incuráveis deve ter pouco a agrader a quem determinou que assim acontecesse. Se, por outro lado as coisas más não são determinadas, se são acasos, então perde sustento a ideia de uma entidade criadora que, para o ser, teria que ser omnipotente. Se não pode impedir que algo aconteça então não é omnipotente. Não sendo omnipotente, não sendo responsável pela criação das coisas más, então quem as criou? Há outro criador? Quantos são afinal?
Há muitas respostas tipo ‘fuga-para-a-frente’ a esta e outras questões, uma é que se escreve direito por linhas tortas. Eu não aceito este argumento. Mais vale aprender a escrever que fazer mal a tanta gente.

JCN argumenta, por fim, com a existência de leis morais como fundamento para a inevitabilidade da existência de um criador, porque “Todos os humanos sentem em si uma ânsia de justiça e verdade, um sentido de bem e mal.” e que “Alguns valores são comuns, na enorme variedade de culturas e hábitos” o que “confirma que tal não pode vir de construções históricas e sociais, porque subjaz a todas”. Adiante afirma que tem de haver um criador, senão “não existem o bem, a moral, a própria razão”. Pois os animais, gregários ou não, também têm regras de convivência social, e transmitem ás suas descendências conceitos de bem e mal e de justiça, ainda que não concordemos com ela. Os melhores bocados da presa são para os mais velhos. As crias não comem nem atacam os pais, ajudam-nos e defendem-nos. Colaboram nas tarefas do seu grupo. Há hierarquias, papéis definidos, regras a observar que podendo não ser complexas como as nossas, não deixam de ser menos válidas. Será isso também uma obra de um criador?

Contrariamente a JCN, eu vejo fragilidade lógica nas crenças em entidades metafísicas, enquanto ele vê no ateísmo que rotula de “fenómeno elitista ocidental contemporâneo” que diz estar em extinção. Se está em extinção, se é pensado por pessoas que, segundo JCN, serão obra de um criador, porque houve este trabalho de as criar se pensam algo errado e que deverá deixar de ser pensado? Para quê gastar inevitavelmente energia nesse esforço? Não faz sentido.

Por fim, leio uma enorme contradição na argumentada “ausência de finalidade” que é atribuída ao ateísmo, porque “este universo, sem origem nem orientação, também não tem propósito. Bons e maus têm o mesmo destino vazio. Saber que vivemos num mundo que se dirige à morte e ao nada faz de nós os mais infelizes dos seres”.
A ciência determinou, e ainda ninguém a pôde contradizer com argumentação minimamente consistente, que o nosso Sol começará a expandir-se no seu final de vida, e tornar-se-à tão grande que engolirá Mercúrio, Vénus, e a Terra, pelo menos. Se JCN aceita o Big Bang, como revela no seu texto, aceita consequentemente o processo em curso desde então e o seu final, que é precisamente o nada, o vazio, e morte de todos os seres deste planeta e assim, inevitavelmente, “Bons e maus têm o mesmo destino”. “A teoria do Big Bang explodiu essa certeza” de JCN. Mas se esse destino é vazio ou não depende de cada um. Se acreditarmos que tudo está determinado, então somos vazios. Podemos ter consciência, vontade e desejo, mas é inútil o que queiramos porque pode estar algo diferente determinado, e então, aí sim, não há finalidade na existência. Se, pelo contrário, acreditarmos que somos nós que determinarmos o destino, através das nossas colaborações constantes, voluntárias e involuntárias, que o acontece é nossa obra, então a existência tem uma finalidade.

JCN é professor de economia, e um bom professor. Devia cumprir os ensinamentos de Adam Smith, que ele próprio transmite nas suas aulas, a de que cada um se deve especializar no que sabe fazer melhor, e assim individualmente contribuindo para o bem-estar de todos. Assim faria mais gente saber mais e melhor de Economia, uma ciência, como JCN ensina e escreve nos seus livros. Quanto a esta vertente teológica, duvido que aceite a metodologia da Ciência, da eterna contraposição de argumentos em busca de um saber maior. Estes discursos evangelizadores não aceitam contra-argumentos e discordâncias, entre outras razões porque tudo o que há para aprender está aprendido e dito. Qual é então, afinal, a “supina tolice”?

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Sábado, 25 de Agosto de 2007

Tradição sem factura

Foi noticiada a repetição de uma tradição em Esposende, a de dar banhos forçados às crianças nas praias da zona.
Segundo a notícia a tradição determina como obrigatório (?!?) dar três banhos seguidos para prever de uma série de maleitas (assim quase como a vacina da meningite, mas em versão empírica e que cura tudo), e depois vão dar três voltas a uma igreja com uma galinha na mão e passar por baixo de um andor (o que deve acabar com qualquer possibilidade de vir algum dia a sofrer seja do que for, obviamente). E tem que ser três vezes ou outro número ímpar, senão a coisa não resulta, garantem.
Se isto não é superstição pura, então alguém me explique o que é. E a Igreja Católica pactua com isto, não explícita mas tacitamente, porque não tem outro remédio. Se exigisse aos seus seguidores o exercício racional e a abstracção que uma crença séria no que é metafísico necessariamente supõe, ninguém lá ia. Consubstanciando assim as coisas, é muito mais fácil, as pessoas vêm, tocam, acreditam, como São Tomé, afinal. Por outro lado, isto é uma indesmentível continuação das eternas crenças pagãs que, longe de estarem extintas, continuam a ser praticadas todos os dias, como é isto prova. Os enfeites hoje são diferentes, mas no essencial são as mesmas coisas que andam no nosso subconsciente e nos sustentam há muitos milhares de anos.
Voltando a Esposende, não me vou alongar na estimativa da temperatura da água da praia. Estavam quase todos arrepiados, com excepção de um ou outro machão que não quis dar parte de fraco.
O que me arrepiou foi, por um lado, o pânico das crianças forçadas a mergulhar – três vezes! – e, em contraste, a alegria dos pais que pagaram 5€ por criança a estranhos para lhe agarrarem nos filhos e os mergulharem à força nas águas de Esposende. Se na companhia dos pais, ao seu colo, a maioria das crianças pequenas têm natural medo da água, o que terá passado por aquelas cabeças sentindo-se vendidos pelos pais e raptados por um estranho? Entretanto o estranho, vestido dentro de água, sorria com a aparente cândida expressão de quem diz “vá lá, isto não custa nada” enquanto as crianças tentavam emaranhar por ele acima tentando fugir do castigo.
Não sei a quantidade de pessoal que estava na praia, nem retive a estimativa indicada pelo relator, mas as imagens mostravam muita gente. Foram muitas as crianças forçadas a ir ao banho – três vezes! - na praia de Esposende. Foram muitos 5€ muita vez. Quase que aposto que ninguém deve ter pedido factura, como o Governo agora implora, mas também não deve ser preciso. Aqueles mergulhos todos – três vezes! – mais as voltinhas à igreja com a galinha na mão e a passagem por baixo do andor, entre tantas maleitas deverão proteger também de uma inspecção das Finanças.

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Quarta-feira, 18 de Abril de 2007

A religião e o progresso científico

Ando há dias para organizar ideias sobre a leitura que fiz da notícia do Público de 12/04/2007com o título “Papa Bento XVI enaltece progresso científico”, onde a dado passo, e sobre um livro que o Papa lançou, se lê que “De acordo com a Reuters, o Papa escreve (…) que a teoria da evolução, formulada por Charles Darwin, não é inteiramente demonstrável, porque as mutações ocorridas em centenas de milhares de anos não podem ser reproduzidas em laboratório.”
À primeira leitura explodiu logo a conclusão de que, naquele ponto de vista, tudo o que não seja demonstrável não tem existência, e que haveria nas entrelinhas da habitual argumentação sabiamente habilidosa uma sugestão de negação da teoria da evolução. A onda de choque disse-me logo também que a religião, entre outras coisas, não pode ser reproduzida em laboratório, logo não existe per si. Reagindo aos primeiros estilhaços de argumentos ocorreu-me que um conceito abstracto, matemático por exemplo, pode ser demonstrável pela lógica sem que isso lhe dê existência tangível.
Relendo o excerto de texto por completo, e cuidando de ter presente que haverá, necessariamente, muito mais de argumentação para além do é transcrito, continuei lendo que “Ao mesmo tempo, o Papa enaltece o progresso científico e não aprova o criacionismo, defendido por alguns sectores do protestantismo, sobretudo nos Estados Unidos.”
Confesso que me alegra esta estranha e muito pouco habitual concordância de opiniões entre mim e a entidade em referência. Há muitos disparates neste mundo, mas o do criacionismo está nos primeiros lugares do campeonato.
Leio ainda que o “Vaticano (…) já aceitara o evolucionismo e o progresso científico” e que “João Paulo II (…) afirmara o seu apoio à teoria da evolução e a sua compatibilidade com o cristianismo” (…) na continuidade da obra de Teilhard de Chardin (1881-1955), paleontólogo e padre jesuíta, que defendeu a compatibilidade entre ciência e fé.” E mais à frente que “No livro agora publicado, o Papa Bento defende a posição da "evolução teísta": Deus criou a vida e esta evolui”.
Não sei o que tenho menos, se capacidade ou paciência para discutir teologia, mas não me entra na cabeça qualquer compatibilidade argumentativa entre, por um lado, a possibilidade de a Vida evoluir para lá de alguma vontade divina e, por outro, a eventualidade de toda a existência, material ou não, ter origem, justificação e manutenção por qualquer entidade metafísica. Na minha opinião, que mais não vale que isso mesmo, se a Vida evolui para lá da sua criação e independentemente de qualquer vontade desta, escapando ao seu controlo anula a sua omnipotência e, consequentemente, a sua existência. Se, por outro lado, toda a evolução é mantida sob controlo que qualquer entidade metafísica, então há decisões subjacentes e justificadoras dos caminhos tomados. E considerando os resultados que constatamos é estranho que tantas decisões tenham sido no sentido de gerar tanta infelicidade pelo mundo fora. Discorro três conclusões possíveis:
a) não há quaisquer entidades metafísicas e tudo decorre do acaso;
b) Há entidades metafísicas que não geram apenas o Bem mas também o Mal, e não são, então, nada do que é anunciado;
c) Eles até são bonzinhos mas nós, simples mortais, somos demasiado limitados para perceber as coisas.
A última opção é a mais confortável. A segunda é de consenso. Eu prefiro a primeira. Tem lógica, acho eu.

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Quinta-feira, 5 de Abril de 2007

Santa urgência

Uma freira diz que foi curada da doença de Parkinson por interferência de João Paulo II, já depois da sua morte dele. É o mais recente argumento para a defesa popular da proclamação da santidade deste. As regras ditam uma espera de cinco anos – salvo erro – mas tem crescido a pressão para que se ignore este limite mínimo.

Numa organização que proclama a eternidade e perpetuidade do ser para lá do seu desaparecimento físico, é estranha esta pressa na proclamação da santidade do anterior Papa. Se é para todo o sempre fará diferença se a santidade for proclamada daqui a dois anos? Ou daqui a vinte?

Talvez a tutela da organização não seja a promotora da pressa, e então quem a promove, e sendo membro da organização, estará a incorrer nalguma falha violando tais preceitos (que dimensão e castigo terá tal pecado?). Todavia, a própria organização não manifesta incómodo com esta pressa, pelo que acaba, na vox populi, por se deixar rotular de conivente com a urgência. Pois então, numa organização que reclama para si o direito de reger os mais variados aspectos da vida humana arrogando-se, consequentemente, ao exercício do auto-proclamado direito de os punir, a pressa em ultrapassar as suas próprias regras quanto a estes assuntos é ainda mais estranha.

É, aliás, tudo muito estranho. De um dia para o outro a freira estava curada. Como todo o respeito merecido pela senhora, também a pergunta, por consequência natural, merece o devido espaço para ser formulada: porquê ela, e não outra? Ou outro? Porque não mais pessoas? Porque não todos os que padecem de Parkinson? Porque não os que sofrem de Alzheimer? Ou os que sofrem de SIDA? Porque não, então, todos os que padecem de qualquer coisa? Aliás, se uma das ordens divinas para o universo de pessoas em causa é “crescei e multiplicai-vos”, e se só uma pessoa pudesse ser curada, não faria mais sentido curar alguém que pudesse constituir família em vez de uma freira – respeitável, note-se – que deve ter feito votos de castidade?

Por alguma razão a senhora foi escolhida, os outros não. Ocorrem-me algumas perguntas:

1) se houve escolha mais estranhos são os critérios. Que qualidades a mais tinha do que todos os demais milhões de pacientes que a colocou no topo da lista?

2) será que só uma podia ser escolhida por não haver poder para curar todos, ou só mais alguns? A ser assim fica em causa a omnipotência, condição sine qua non de todas as divindades.

3) se há a possibilidade de por esta via eliminar a doença, quer isso dizer que também há a possibilidade de a fazer aparecer? Terá sido assim que a senhora começou a padecer? Se for assim, quem é que está em dívida com quem? Se não há a possibilidade de pela mesma via ter causado a doença, como apareceu então? Novamente a suposta omnipotência se demonstra questionável.

4) que podem os agora excluídos fazer para poder ainda alcançar a mesma cura?

5) o que podem os que acreditam neste acontecimento dizer de útil aos próximos dos que já morreram com esta e outras doenças? Não havendo retroactividade para a morte, haverá para o consolo dos que ficam?

Isto ainda agora começou, mas é tanta a pressa em concluir o processo que temo que o único ou mais forte argumento seja o desta cura. Se for sentirei, como sinto já, que estão a gozar com todos os outros. A importância que esta organização tem para tanta gente é inversamente proporcional ao direito que tem de as gozar assim.

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