Hoje o Walkman faz 30 anos. Eu lembro-me de coisas anteriores.
Lembro-me de falar para um gravador de fita dizendo banalidades a um tio que ouviria aquilo semanas depois, algures lá longe na guerra onde ele andava (não sei já qual dos tios foi, que felizmente regressou, mas da fita nunca mais soube nada). O gravador tinha o tamanho de um televisor, e duas grandes bobinas de cada lado que rodavam lentamente.
Lembro-me de algures haver um leitor de cartuchos, algo semelhante à cassete, mas mais espesso e que não entrava completamente dentro do aparelho.
Lembro, e nunca esquecerei, os milhares de horas que ouvi em discos de vinil, de lhes limpar o pó, de limpar a agulha, de colocar gentilmente o braço e ouvir aqueles doces qznh?ks$ch=rtsch%vz (ruído "batata frita") antes de começar a música, e durante também.
Lembro-me do meu primeiro leitor de cassetes, em mono! Lembro-me de nele gravar - em mono! - o album Computer World, dos Kraftwerk, porque tinha uma música de que gostava, e gosto, e que era do genérico de um programa de entrevistas da Margarida Marante que na altura havia no primeiro canal - sim, "primeiro" porque só havia dois... - e de gravar a banda sonora do Blade Runner, feita pelo Vangelis. Em mono...
E depois, durante anos a fio, aquele leitor leu milhares de cassestes com jogos para o Spectrum depois de fazermos o LOAD "".
E lembro-me, e faço notar a quem não sabe, que havia coisas em mono, que se diz "mónó", e não "môno", que é algo de estranho para quem só ouve coisas em estéreo. É quase como explicar o que é televisão a preto e branco e só a partir das sete da tarde a quem vê tv a cores a qualquer hora do dia e vinda de qualquer lado do mundo. Mono é não haver sons diferentes do lado esquerdo e do direito, mas apenas um som absolutamente central.
Voltando às lembranças, lembro-me que ainda toca, e bem, o "tijolo" que recebi em 1986 e que já tocava e gravava em estéreo. Lembro-me que gravei o Live Aid em não sei quantas cassetes que já perdi.
E lembro-me do meu walkman, que era estéreo! Lia cassetes e recebia rádio também e, por isso, uma autência jóia para mim. Nem prata, ouro ou qualquer coisa assim me daria mais prazer do que dali tirei. Ouvia os programas que gostava e as músicas escolhidas e compiladas em cassetes. Lembro-me de ouvir a TSF, ainda como "rádio pirata".
O Público noticia hoje o seu 30º aniversário do Walkman e escreve que "Recentemente, a BBC fez com que um adolescente de 13 anos usasse um Walkman em vez do iPod. Foram precisos três dias para que o jovem descobrisse que a cassete tinha dois lados."
Chegará a altura em que eu andarei com o cérebro todo baralhado, e um filho ou neto ou coisa assim me explicará com enorme condescendencia como algo trabalha, pensando para si algo como "este velhadas é mesmo tótó!". Mas para já, para este puto que não percebe que a cassete tem dois lados - HELLO!?!? - sabe bem dizer: Ora toma! Cresce e aparece! Ha ha ha ha ha!!!!!
Há anos que tenho reparado naquilo, sempre me ocorreu a mesma dúvida, nunca percebi o sentido. Quando fecha a sessão diária da Bolsa de Nova Iorque há alguém todo contente a bater com um martelo. Podia ser um sinal sonoro, uma luz que acendesse, alguém que tocasse uma sineta, mas não é alguém com um martelo. Mas para além disso, porque será que muitas vezes há um grupo de pessoas, atrás da pessoa do martelinho, a bater palmas e todos contentes? A que batem eles palmas?? Será que não reparei bem e só batem palmas à sexta-feira porque vão de fim-de-semana? Ou será que o fazem à segunda porque vão começar a trabalhar? Será o quê, caramba? A que batem palmas? Que sentido terá aquilo? Até acredito que tenha alguma razão de ser, mas não chego lá. A quem souber agradeço explicação.
Estranha data esta do 29 de Fevereiro. Como se comemora algo ocorrido neste dia? Ou como se recorda? Como se celebra um aniversário? No dia anterior, a 28? Ou só no 1º de Março? E quem tiver algo triste, daquelas coisas que precisam ser recordadas para a ferida ir sarando, como passa os outros anos? Nunca tinha pensado nisto.
Por coincidência de data fui chamado pela newsletter do Ciência Hoje para uma notícia sobre aniversários especiais. É muito giro o texto sobre os aniversários a 29 de Fevereiro.
Dentro do carro num pequeno engarrafamento de cidade, pára-arranca, à chuva, já anoitecera, e olhei para o lado como se suspirasse. Reparei em algo que, pela distracção dos nossos dias, não via há muito: um escorredouro de águas pluviais, daqueles que vinham por dentro dos prédios e desembocavam rente ao passeio numa saída rectangular de chapa torcida.
Na fracção de segundo em que o meu olhar ali se fixou escorreu com a imagem daquelas águas uma eternidade de memórias. Lembrei-me de onde os conhecia e tudo fui escorrendo enquanto um sorriso se aflorava.
Lembrei-me do passeio da rua da minha avó, aquelas poucas dezenas de metros que me pareciam quilómetros. Os bordos empenados dos passeios que foram pistas de alta velocidade onde ganhei muitas corridas de carrinhos. As portas dos prédios que ora eram barreiras, ora portões de castelos, ora pontes de comando de naves espaciais. As canalizações embutidas nos passeios que tanto foram metas de sprints como fronteiras de territórios de grupinhos de crianças. As caixas de água dos prédios que eram os mais secretos esconderijos imagináveis de coisas que ninguém sonhava, embora hoje perceba que era mais por não interessarem a alguém do que pelo seu valor ou utilidade.
Outras coisas já foram para o mar do esquecimento e não mais as recupero. Outras ainda por mim andam à deriva e não as consigo apanhar por agora, mas não importa.
Um instante depois de ter olhado já não mirava mais, mas a memória ficou avivada. Memórias felizes, lavadas do seu pó por bem ditas águas.
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