Todos nós que andamos nisto da blogosfera e ligados na internet recebemos muitos e-mails. Alguns muito giros que repassamos de uns para os outros, até os recebermos de volta. Outros não interessam para nada. Rezas e orações, gatinhos, cãezinhos, patinhos e paisagens de Outono, e coisas assim, ou imagens de acidentes ou coisas piores. Alguns vêm-se, outros vão fora logo à primeira imagem. Outros vão fora antes mesmo de serem abertos.
A maior parte do lixo nem merece comentário. Mas há dias recebi um que me chateou pelos disparates que encerra. Chamava-se O Olho de Deus.
Assim que li o título pensei algo que me garantiu – ainda mais – o meu lugar perpétuo no Inferno “Queres ver que o apanharam?!?” pensei eu.
O e-mail mostrava esta foto:
e dizia isto:
Esta foto é raríssima, foi tirada pela NASA com o telescópio Hubble. Este tipo de acontecimento dá-se uma vez em cada 3000 anos.
Esta foto já produziu milagres em muitas vidas. Pede um desejo… tu estás a ver o Olho de Deus. Verás provavelmente mudanças na tua vida durante hoje mesmo. Acredites ou não, não conserves este e-mail contigo, envia esta foto a pelo menos 7 pessoas. Chamam-lhe « OLHO DE DEUS » Inacreditavél para apagar. Partilha-a com os outros. Nos próximos 60 segundos, deixa o que estás a fazer e aproveita esta oportunidade. Um minuto efectivo e eficaz. Envia esta foto aos teus amigos (as) e aguarda pelo que te vai acontecer. Não cortes a corrente se faz favor.
Este tipo de lixo chateia muito, não tanto por eu o receber mas sobretudo por fazer com que haja quem acredite nestas palermices. A única coisa minimamente acertada em todo o texto é que esta foto foi tirada pela NASA com o telescópio Hubble. O resto é um chorrilho de disparates.
Como se pode ver nesta página da Wikipédia, aquilo não é mais que um corpo celeste igual a outros. Chama-se Helix Nebula, é também conhecida como A Hélice, ou Nebulosa da Hélice, ou NGC 7293, e que se encontra na constelação de Aquário. Está a 700 anos luz de nós, ou seja, a imagem que dela hoje vemos saiu de lá em 1309, na Idade Média, à velocidade de 300 mil quilómetros por segundo. Procure-se na internet por Helix Nebula ou NGC 7293 e aparece a mesma imagem.
Diz o e-mail que “Este tipo de acontecimento dá-se uma vez em cada 3000 anos.” Qual acontecimento?!? Aquilo é só uma fotografia! Nada do que se sabe nos pode dizer que o que quer que aconteça ocorra apenas a cada 3000 anos, ou cinco dias, ou a cada quarto de hora.
Chamar aquilo Olho de Deus é que é estranho. Para quem é crente o Homem foi criado por Deus, tenha este nome ou outro qualquer. Nas religiões messiânicas Deus criou o Homem à sua semelhança e por isso o Homem julga ver Deus, ou um seu sinal, em qualquer antropomorfismo que encontra. Se houvesse uma galáxia em forma de dedo do pé, alguém diria que era o dedo do pé de Deus?!?
Não vamos para mais análises anatómicas e metafísicas. Fiquemo-nos pelo olho, segundo duas perspectivas.
1) a perspectiva óptica.
Aquilo só parece um olho quando visto do nosso ponto de vista. Ainda não temos tecnologia para visitar aquela galáxia de forma a poder mandar lá algo ou alguém fotografar do outro lado, e trazer uma nova imagem de volta. Podia ser parecida com esta, ou muito diferente, não sabemos.
Até podemos mandar umas sondas, mas chegam cá daqui a muito tempo. A sonda Voyager2 saiu da Terra em 1977, há 32 anos, já saiu do nosso sistema solar, mas está ainda muito perto. Estima-se que em 2025 já não tenha capacidade energética para colocar em funcionamento qualquer instrumento. Vai chegar à estrela Sirius daqui a 296 mil anos, e Sirius está só a 8,6 anos luz da Terra. Ora se para algo que está a 8,6 anos luz de distância a sonda demora 296 mil anos, para chegar a este Olho de Deus a 700 anos luz precisaria de 24 milhões de anos, se fiz bem as contas. Quem estaria cá para receber as fotos?
2) A perspectiva teológica
Se aquilo é o olho de Deus, então o que é isto, a divina conjuntivite?

Não. Esta imagem é nada mais nada menos que a mesma Nebulosa da Hélice só que fotografada em infravermelhos. Se Deus tudo pode, pode emitir o que quer que emita, se emite, em luz visível, infravermelhos, ultravioletas ou qualquer outro tipo de radiação, visível ou não. Portanto Deus pode ter mais que um olho, ou o seu olho pode ter mais que uma aparência. De qualquer forma deixa de ter significado a singularidade do artigo definido singular masculino “O” em O Olho de Deus. Não há só um, há mais.
Olhem outro:
E agora, este olho é de quem? Será o outro olho de Deus? Será o esquerdo ou o Direito? Este segundo olho, se for isso – que não acredito – não está ao pé da Nebulosa da Hélice. Poderá ser uma providencial forma de salvaguardar uma dúvida que este disparatado e-mail me propiciava. É que se tinham encontrado O Olho de Deus, então Deus está ali, e já não está em todo o lado, como é suposto. Deus perderia qualidades. Com um olho num lado e outro noutro lado do espaço, talvez se salvaguardasse o princípio da ubiquidade inerente ao conceito de Deus.
Agora brinquemos com as imagens. Serão assim os olhos de Deus?
Ou serão assim?
Isto não será o Wall-E às escuras?...
Muita gente sofreu e morreu por disparates muito menores que estes de atribuir a perspectiva de alguns ignorantes a um sinal Deus. Se Deus existe, que pensará disto? Chorarão estes olhos? Pelo menos de riso?