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João César das Neves (JCN) é um economista que tem uma coluna de opinião semanal no Diário de Notícias. Há duas semanas, dia 26/05/2008 publicou um texto que nada tem de economia, mas sendo aquele um espaço de opinião isso não deve importar. O texto tinha como título “A FRAGILIDADE DE UMA CRENÇA”. Desde a sua publicação que venho pensando nesse texto, do qual discordo na quase totalidade. Discordo, sobretudo, da forma quase anedótica, no limiar do desprezo - parece-me - com que procurar desfundamentar o ateísmo e o agnosticismo. Ignorando a forma, comento o conteúdo.
JCN começa por classificar a “vida pública de hoje como ateia ou agnóstica”, rotulando-lhe uma “fragilidade intelectual (...) muito inconsistente”.
Concordo com JCN quando diz que recusar Deus seja uma crença. Eu e muita gente acredita, logo é uma crença. Mas as concordâncias acabam aqui. Não vejo como falha que o ateísmo não se possa considerar lógico e natural pois a própria crença num deus ou deuses é, para quem acredita, perfeitamente lógica e natural. Aliás, todo o texto de JCN é lógico, ainda que sem razão para mim.
Advoga que a religiosidade é o normal, pelo que por isso deveria ser sempre seguida. Mas que mal faz não ser normal? Que mal faz ser uma “construção tardia e artificial das elites”? A religião não foi também sempre criada e gerida por elites? E pode assim não ser? A cogniscência da religião é o resultado de um esforço intelectual a que apenas se podem dedicar aqueles que supriram as suas necessidades básicas, e não a prática reiterada de actos que se repetem mecanicamente sem consciência do seu sentido. Só quem não é pobre pode dispender tempo e energias pensando na religião. Quem passou esse nível, e se aproxima do topo, das elites, tem maior possibilidade de se dedicar verdadeiramente à religião.
Não me importa nada que o ateísmo seja uma minoria, mesmo que ínfima como JCN defende. Prefiro ser infimamente minoritário crendo na minha razão que abdicar do que penso para ir com o rebanho. E menos me importa que seja uma criação recente. Na história do Universo, de que ele aproveita parte para fundamentar a sua crença, a história do Homem é tão pequena que apetece perguntar que crenças havia quando não havia o Homem. Só há crenças quando há consciência, e dessa só temos prova de ter surgido com o Homem. Ora este surgiu há 4 milhões de anos. O Universo, tudo o que existe, tem já 15 mil milhões de anos, 3800 vezes mais. A não ser que haja prova que dos protozoários aos dinosáuros tenham havido crenças, as crenças são, assim, também são recentes.
Não acredito também que o ateísmo seja apenas uma criação do Iluminismo. Poderá ter sido aí estruturado e mais divulgado, mas acredito que em toda a história do Homem terá havido sempre alguém que não acreditasse na existência dos deuses. Não é plausível que em 4 milhões e tal de anos todos os seres humanos que já viveram tenham todos acreditado que os deuses existem. Basta que tenha havido um, só um, e este argumento desmorona-se.
JCN conduz a argumentação da refusa do ateísmo para a desfundamentação do agnosticismo. Diz que “ignorar a possibilidade de Deus é como desinteressar-se da existência do pai, benfeitor ou patrão, senhorio ou polícia. E se Ele aparece?”, pergunta. Pergunto eu: e por acaso já apareceu?. E se não aparece? A argumentação de que se socorre refugia-se na lógica de que a ausência de prova não é prova de ausência. Mas, quer se queira quer não, continua a não a haver prova de não ausência. Quando muito pode-se dar o benefício da dúvida.
JCN procura advogar que o agnosticismo tem dificuldade em se fundamentar porque há uma realidade que prova a existência de um seu criador, porque há ordem e não caos. Quanto à ordem, a coerência e a harmonia, ela existe porque a vemos como tal. O planeta Terra é perfeito para o ser humano, não porque tenha sido criado para ele, mas porque ele ali se desenvolveu. Se houver vida em Marte, em Titã ou Europa, como é plausível, será necessariamente diferente da nossa porque surgiu naquele ambiente. A ordem e a harmonia são como a beleza, existem nos olhos de quem a vê.
Quanto ao caos, nós ainda hoje não percebemos o caos que é o funcionamento dos componentes da matéria. Nem a ciência, e muito menos a religião, o explicam. Tudo o que sabemos de certo falha quando queremos perceber como se relacionam as peças de que são feitos os átomos, que por sua vez constituem tudo o que vemos e somos. Está-se na quase contradição de poder explicar o funcionamento da matéria com aquilo que sabemos porque imaginámos uma peça com determinadas características. Essa peça é o Bosão de Higgs que, por coincidência, é apelidada de “a partícula de Deus”. Com essa peça no jogo o nosso conhecimento funciona, mas a peça ainda não foi encontrada, pelo que existe apenas em teoria. As crenças são aqui muito semelhantes. Quando não se percebe o porquê das coisas, então é obra divina. Não se vê Deus, ou os deuses, mas eles têm que existir, senão não faz sentido. Existem como consequência e não como causa.
JCN defende que “Uma obra supõe um autor”, e com esse argumento dogmático constrói tudo o mais, não o questionando. É verdade que “A ciência demonstrou que variações infinitesimais de parâmetros fundamentais, das forças do núcleo atómico à densidade do universo, torná-lo-iam impossível”. O que a ciência não garante, nem tem de garantir ou ajudar a fundamentar, é que o arranjo desses parâmetros tenha sido pré-definido com determinado objectivo. Esse é um salto argumentativo sem lógica que o sustente, porque nada garante que não houvesse hoje vida se o arranjo inicial tivesse sido outro.
Agarrado à necessidade de existência de um autor para a obra, parece-lhe errado que “o acaso de milhões de anos [tenha conduzido] de uma explosão ao sorriso da minha filha”. Porquê? Porque não pode ser um acaso? A perfeição das flores, o sabor do sal do mar, a música de Mozart porque não podem ser acasos? Porque não? Se não são acasos, se tudo é determinado, então porque é determinado que morram tantas crianças por dia, com sorrisos tão lindos como a filha de qualquer um de nós afortunado? Ou que sejam abusadas, com sexo e com trabalho infantil? Porque é determinado que um adolescente se mate numa mota? Porque é determinado que alguém morra no automóvel por culpa de outrém? Porque é determinado que alguém seja torturado ou morto apenas porque não concorda com algo, seja política, religião ou outra coisa? Porque é determinado que alguém perca aqueles que ama só porque, por algum determinismo, lhes ‘calhou’ ter uma doença sem cura? Porque é determinado que pais e irmãos matem a filha/irmã apenas porque ela namorava alguém de outra crença? E se tudo o que existe é criação, logo obra de um criador, porque é determinado que tantos animais se extingam? Ou não têm também eles o direito à garantia da continuidade da sua espécie?
Se tudo o que existe e acontece é determinado, então todas as coisas boas ou más, existem e acontecem porque algo ou alguém assim o determina ou determinou. Quem perdeu filhos, maridos, esposas, pais, amigos ou apenas conhecidos por acidentes, por homicídios, raptos, por doenças incuráveis deve ter pouco a agrader a quem determinou que assim acontecesse. Se, por outro lado as coisas más não são determinadas, se são acasos, então perde sustento a ideia de uma entidade criadora que, para o ser, teria que ser omnipotente. Se não pode impedir que algo aconteça então não é omnipotente. Não sendo omnipotente, não sendo responsável pela criação das coisas más, então quem as criou? Há outro criador? Quantos são afinal?
Há muitas respostas tipo ‘fuga-para-a-frente’ a esta e outras questões, uma é que se escreve direito por linhas tortas. Eu não aceito este argumento. Mais vale aprender a escrever que fazer mal a tanta gente.
JCN argumenta, por fim, com a existência de leis morais como fundamento para a inevitabilidade da existência de um criador, porque “Todos os humanos sentem em si uma ânsia de justiça e verdade, um sentido de bem e mal.” e que “Alguns valores são comuns, na enorme variedade de culturas e hábitos” o que “confirma que tal não pode vir de construções históricas e sociais, porque subjaz a todas”. Adiante afirma que tem de haver um criador, senão “não existem o bem, a moral, a própria razão”. Pois os animais, gregários ou não, também têm regras de convivência social, e transmitem ás suas descendências conceitos de bem e mal e de justiça, ainda que não concordemos com ela. Os melhores bocados da presa são para os mais velhos. As crias não comem nem atacam os pais, ajudam-nos e defendem-nos. Colaboram nas tarefas do seu grupo. Há hierarquias, papéis definidos, regras a observar que podendo não ser complexas como as nossas, não deixam de ser menos válidas. Será isso também uma obra de um criador?
Contrariamente a JCN, eu vejo fragilidade lógica nas crenças em entidades metafísicas, enquanto ele vê no ateísmo que rotula de “fenómeno elitista ocidental contemporâneo” que diz estar em extinção. Se está em extinção, se é pensado por pessoas que, segundo JCN, serão obra de um criador, porque houve este trabalho de as criar se pensam algo errado e que deverá deixar de ser pensado? Para quê gastar inevitavelmente energia nesse esforço? Não faz sentido.
Por fim, leio uma enorme contradição na argumentada “ausência de finalidade” que é atribuída ao ateísmo, porque “este universo, sem origem nem orientação, também não tem propósito. Bons e maus têm o mesmo destino vazio. Saber que vivemos num mundo que se dirige à morte e ao nada faz de nós os mais infelizes dos seres”.
A ciência determinou, e ainda ninguém a pôde contradizer com argumentação minimamente consistente, que o nosso Sol começará a expandir-se no seu final de vida, e tornar-se-à tão grande que engolirá Mercúrio, Vénus, e a Terra, pelo menos. Se JCN aceita o Big Bang, como revela no seu texto, aceita consequentemente o processo em curso desde então e o seu final, que é precisamente o nada, o vazio, e morte de todos os seres deste planeta e assim, inevitavelmente, “Bons e maus têm o mesmo destino”. “A teoria do Big Bang explodiu essa certeza” de JCN. Mas se esse destino é vazio ou não depende de cada um. Se acreditarmos que tudo está determinado, então somos vazios. Podemos ter consciência, vontade e desejo, mas é inútil o que queiramos porque pode estar algo diferente determinado, e então, aí sim, não há finalidade na existência. Se, pelo contrário, acreditarmos que somos nós que determinarmos o destino, através das nossas colaborações constantes, voluntárias e involuntárias, que o acontece é nossa obra, então a existência tem uma finalidade.
JCN é professor de economia, e um bom professor. Devia cumprir os ensinamentos de Adam Smith, que ele próprio transmite nas suas aulas, a de que cada um se deve especializar no que sabe fazer melhor, e assim individualmente contribuindo para o bem-estar de todos. Assim faria mais gente saber mais e melhor de Economia, uma ciência, como JCN ensina e escreve nos seus livros. Quanto a esta vertente teológica, duvido que aceite a metodologia da Ciência, da eterna contraposição de argumentos em busca de um saber maior. Estes discursos evangelizadores não aceitam contra-argumentos e discordâncias, entre outras razões porque tudo o que há para aprender está aprendido e dito. Qual é então, afinal, a “supina tolice”?
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