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Escrevo nos dias seguintes ao referendo sobre a despenalização da interrupção voluntária da gravidez (IVG).
Um dos slogans usados pelos apoiantes do ‘não’ foi o de que são “pela vida”.
Se são ‘pela vida’ então não parecem pois apenas surgem com este argumento a propósito da discussão da alteração legislativa sobre a IVG. Aliás não aparecem por mais motivo nenhum.
É pena que condensem e limitem as suas forças em defesa da vida apenas quando se discute a IVG. Gostava de ver a intransigência dessa sua pseudodefesa da vida aplicada também, por exemplo, à defesa da obrigatoriedade de rastreamento da Tuberculose, do Cancro da Mama, do HIV, ou de registo obrigatório como dador de medula óssea.
Gostava de os ver defender assim com tanto afinco alterações legislativas que reduzam, quando aplicadas, o número de acidentes domésticos que matam crianças. Ou que, pelo menos, defendam as crianças dos acidentes rodoviários. Segundo a APSI “Os traumatismos, ferimentos e lesões resultantes de acidentes rodoviários são a maior causa de morte e incapacidade temporária e definitiva nas crianças e jovens em quase todos os países do mundo desenvolvido. Infelizmente, Portugal não é excepção. Muito pelo contrário somos, a este respeito, o pior país da União Europeia com taxas de mortalidade equivalentes ao dobro da média europeia. Por cada morte, estima-se ainda que outras 5 crianças ficam incapacitadas permanentemente. São ainda milhares os feridos graves e ligeiros que são todos os anos atendidos nas urgências dos hospitais.” (v. http://www.apsi.org.pt/index.php)
Há tanta mais vida pela qual lutar. Todos os anos mais de mil pessoas morrem em acidentes de viação em Portugal. São vidas que se perdem. Muitos mais ficam feridos, debilitados, diminuídos nas suas capacidades: de trabalhar, de viver, de ser. Por esses não vejo estas vozes agora moralistas insurgirem-se por tanta vida perdida, por tanta vida estragada nas famílias que os perderam ou que agora os têm ao seu cuidado, mpossibilitados de ser como eram.
Só na construção civil em Portugal morre em média um trabalhador por dia.
E, para já, só discuto esta defesa da vida. Para outras calendas ficará a discussão da defesa da qualidade de vida.
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